Alimentação, capital e luxo no século XV e XVI.

No livro Civilização Material, Economia e Capitalismo Séculos XV – XVIII: As Estruturas do Cotidiano de Fernand Braudel há dois capítulos voltados a agricultura e alimentação, sendo um voltado as classes menos abastadas, ou seja, alimentação e rotina de plebeus e algumas classes baixas e o outro voltado a nobreza e aos burgueses exaltando a relação de banquetes e especiarias com o luxo e a defesa de que este modelo foi a criação do modelo do capitalismo moderno.

Abordando o tema dos banquetes em seu livro vemos como a nobreza e a burguesia fazia girar o capital e o comércio para expor seu nível social perante as iguarias, preparo e aparência. Podemos ver no trecho do livro As estruturas do Cotidiano de Braudel na pagina 164 a seguinte afirmação:

Mas devemos dizer, como Werner Sombart, que o defendeu com veemência, que o luxo inaugurado pelas cortes dos príncipes do Ocidente (de que a corte pontifícia de Avignon é protótipo) foi o impulso do primeiro capitalismo moderno? Antes do século XIX e das sua inovações, não foi o luxo multiforme, mais do que elemento de crescimento, sinal de um motor muitas e muitas vezes a girar no vazio, de uma economia incapaz de utilizar eficazmente os seus capitais acumulados? Por isso afirmamos que certo luxo foi, não pode deixar de ser, uma verdade, uma doença do Ancien Régime, foi, durante a Revolução industrial e continua por vezes a ser uma utilização injusta, malsã, brilhoso, antieconômica dos “excedentes”  numa sociedade inexoravelmente limitada no seu crescimento.

Na parte referente a uma alimentação mais rebuscada e bem elaborada vemos grande referência da China e da região arábica que já formavam pratos bem equilibrados buscando a perfeição em aparência e sabor, tudo é claro se utilizando do que estava disponível que muitas vezes não era muito, mas onde entra o ocidente, em especial as cidades italianas. Somente no século XV que há a entrada da culinária como arte nestas cidades ricas pois era uma produção cara, junto a estes banquetes e festins pode-se ver a criação dos protocolos e seus preceitos. Neste período vemos a criações das especialidades de cada região como os salpicões e paios de Bolonha, o Zampone (Pernil recheado) de Módena, empadas de Ferrara, a cotognata (marmelada) de Reggio, o queijo e os gnocchi de alho de Piacenza e o de nosso foco em pesquisa em Florença os caci marzolini. Infelizmente a França tinha muito dos conceitos orientais em relação a cozinha permitindo a criação de pratos bem elaborados para todas as classes.

Um dos pratos mais bem vistos e um dos mais caros são as carnes em suas mais diversas vertentes, mas vamos nos atentar ao fato que as aves que não voam eram muito discriminadas pela nobreza pois a consideravam impuras, galinhas por exemplo eram pouco comidas nas classes mais altas enquanto patos e gansos eram vistos com bons olhos. As carnes eram servidas das mais diversas maneiras, mas as principais entre os banquetes ou festins eram as que levavam um leve sabor agridoce seja ao molho de mel, maçã, laranja e outras frutas mais exóticas como o damasco sobrando as pobres as vísceras em particular as tripas que muitas vezes eram recheadas, já com alguns órgãos de aves eram feitos patês e alguns antepastos. As carnes e seus ensopados eram vistos como fortificantes ou até mesmo uma espécie de remédio, pois diversas vezes eram recomendadas e utilizadas para o tratamento de alguns males.

Algo que hoje nos parece comum era de extrema dificuldade de se conseguir, a água, muitas vezes nos perguntamos como funcionava o seu armazenamento ou extração. Um dos principais meios utilizados pelas famílias mais abastadas era a construção de cisternas ou a retirada em barris das nascentes ou poços e mesmo assim se mantem mal abastecidos, toda a cidade por sinal se exceção onde muitas vezes era necessário se importar água doce que vinha por embarcações que traziam de regiões mais chuvosas e com melhores condições. Apenas algumas cidades com fundos tinham a utilização de aquedutos. Esta água era muito bem guardada pelas classes mais baixas e já com as classes mais altas havia certo consumo exacerbado principalmente para funções secundárias e não para a hidratação.

O consumo de bebidas alcoólicas era relativamente comum o consumo de vinhos em todas as classes e já havia um conceito boêmio no consumo destas bebidas tanto que há um alto-relevo intitulado “Beber para esquecer” dos irmãos Rigoley (Século XVI) onde se enaltece o sentido de beber por prazer. Em contra ponto havia a rotina dos conventos em suas refeições servirem pratos mais simples, mas sempre acompanhados de vinho. E no mesmo período que as bebidas alcoólicas começam a receber olhares de iguarias há a introdução do café e chá na Europa principalmente como resultado das rotas comerciais a Ásia pelo cabo da Boa Esperança e pelo aumento do comércio por terra com os países arábicos, o chá desde seu principio já era recomendado para fins medicinais e afrodisíacos. Já o chocolate fora introduzido após a primeira metade do séc. XVI sendo trazido do México, este também tinha como elemento medicinal e farmacêutico, é citado na página 221 a seguinte frase. “Ouvi dizer a um dos seus criados que ele [o cardeal] o usava para moderar os vapores do seu baço e que recebera o segredo de umas religiosas espanholas que o trouxeram para a França.” 

É importante deixar claro a relação da alimentação com as diversas classes sociais, como era esta alimentação e como se dava, o luxo/moda era seguida pelos pequenos burgueses e pobres somente quando tais alimentos estavam em baixa e já havia um substituto levando a formação de uma espécie de consumismo os fazendo se sentir mais nobres, e este é um dos fatores que leva muitos pesquisadores a acreditar que a origem do capitalismo moderno se deu nesta passagem de tempo onde as relações comerciais começaram a ditar os costumes.

Referencia: BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo: Séculos XV-XVIII V.1. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 

Autor: Jonathan Oliveira